Embora a prioridade do Governo argentino na reunião prevista para hoje com Macron em Paris seja conseguir o apoio político do governo francês para outra renegociação, a da dívida argentina junto ao Fundo Monetário Internacional, Alberto Fernández vai sondar a possibilidade de ter a França como aliada na intenção de rever aspetos do acordo comercial.
Alberto Fernández pretende argumentar que devem ser evitadas as assimetrias que prejudiquem a indústria argentina.
"É preciso ver como o acordo será implementado para evitar assimetrias", disse Alberto Fernández na sexta-feira, depois de uma reunião com o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte.
A posição argentina foi explicada aos governos de Itália, Alemanha e Espanha, países que Alberto Fernández visitou desde sexta-feira quando iniciou a ronda pela Europa que termina hoje em França.
Em nenhum dos países anteriores a posição argentina encontrou eco.
"Nesta viagem à Europa, a Argentina procura um aliado europeu crítico do pacto. Alberto Fernández pensa em usar a reunião com o presidente francês Emmanuel Macron para colocar sobre a mesa o acordo Mercosul-União Europeia, mas não sei se os dois governos tornarão público esse ponto da reunião", indica à Lusa Marcelo Elizondo, diretor da consultora Desenvolvimento de Negócios Internacionais (DNI) e um dos maiores especialistas em comércio exterior da Argentina.
Para Elizondo, as hipóteses de Alberto Fernández tornar o assunto público diminuíram depois da reunião com a chanceler Angela Merkel, em Berlim, na segunda-feira.
"Durante a reunião, Angela Merkel foi muito contundente. Disse a Alberto Fernández que o acordo Mercosul-União Europeia tem de avançar, que a Alemanha tem muito interesse nesse acordo e pediu que a Argentina faça um esforço nessa direção", revela Elizondo, baseado em fontes diplomáticas que participaram da reunião.
"Esse foi o único assunto que Merkel colocou pessoalmente sobre a mesa durante a reunião. Os demais assuntos foram colocados pelos seus ministros. Isso mostra o quanto ela está empenhada na questão", acrescenta.
Mas é em França que a Argentina deposita as suas esperanças.
O governo argentino vê na posição de setores agrícolas franceses e na difícil posição política de Emmanuel Macron uma hipótese de unir resistências ao acordo que eliminará, gradualmente, as barreiras tarifárias. O governo peronista de Alberto Fernández entende que a indústria argentina não está preparada para concorrer.
"Pessoalmente, Macron não é contra o acordo, pelo contrário. Mas sofre pressão política dos que são. O presidente francês enfrenta dificuldades com os sindicatos devido às reformas estruturais. Isso leva-o a contemplar o lobby protecionista dos setores contrários ao acordo", destaca Marcelo Elizondo.
O acordo assinado em junho passado, depois de 20 anos de negociações, está na fase de revisão legal, prevista para terminar em março.
A partir desse ponto, começará a fase seguinte, em que o acordo terá de ser ratificado pelos Parlamentos de cada país, um processo que pode levar cerca de dois anos. Só depois entrará em vigência, inaugurando um processo paulatino de abertura comercial que pode levar até 15 anos, dependendo do setor.
Na Europa, os Parlamentos de cada país precisam de aprovar o capítulo político, enquanto para o capítulo comercial basta a aprovação da Comissão Europeia que já se mostrou contrária a uma revisão.
Nos países do Mercosul - Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai - os Congressos precisarão aprovar todos os capítulos, mas na Cimeira do bloco, em julho passado, quando ainda governava o ex-presidente argentino, Mauricio Macri, os países do Mercosul concordaram que o acordo entraria em vigência em cada país, individualmente, à medida que cada Parlamento o aprovasse.
Os governos já previam o que poderia acontecer na Argentina se Mauricio Macri perdesse as eleições para Alberto Fernández.
Assim, o acordo Mercosul-União Europeia poderá entrar em vigência mesmo que a Argentina fique de fora.
A postura de Alberto Fernández afasta-o dos demais parceiros do Mercosul, todos a favor do acordo.
A Argentina é hoje uma ilha protecionista cercada por governos favoráveis à abertura comercial. Uma colisão frontal desenha-se no horizonte entre Argentina e Brasil, eixo da integração regional.
Perante as declarações de Fernández sobre querer rever o acordo, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro avisou que poderá romper com o Mercosul.
"Esse assunto 'protecionismo x abertura' é definitivo para Bolsonaro. O governo argentino está a pôr em risco a relação bilateral com o Brasil da qual tanto depende. O acordo pode entrar em vigência sem a Argentina e acho que é isso o que deve acontecer", conclui Marcelo Elizondo.