Os bloqueios nas estradas de acesso a La Paz, capital da Bolívia, e aos arredores, usados nos protestos que se somam à tensa crise política, impõem aos bolivianos a falta de produtos básicos cujos preços dispararam nos últimos dias.
Uma semana após a renúncia do Presidente Evo Morales, e no meio da convulsão social no país, os bolivianos enfrentam agora a falta de carne, ovos, laticínios e pão. Também faltam gás de cozinha e combustíveis para os transportes. As pessoas peregrinam de supermercado em supermercado em busca de alimentos básicos e pelas ruas de La Paz, a quantidade de carros em circulação é cada vez menor.
A dona de casa Susana Zelayes, de 58 anos, tenta encontrar frango, ovos e verduras para os quatro filhos numa espécie de caça ao tesouro. Já tentou em quatro supermercados diferentes, mas não teve sorte.
"Estamos a sofrer por falta de comida. Não há carne, frango, ovos. Só há filas em busca de comida. Faltam os produtos mais básicos. E os que mais sofrem são as crianças que ficam com fome. Não aguentam sem comida. Até quando vamos estar assim?", desabafa em declarações à Lusa no bairro de San Pedro, em La Paz.
Depois das eleições de 20 de outubro, denunciadas por fraude do então governo de Evo Morales, a classe média dos principais centros urbanos do país começou uma greve que durou três semanas. Há duas semanas, o então presidente Evo Morales quis asfixiar o movimento opositor que pedia a sua renúncia, bloqueando as estradas a esse centros urbanos.
Evo Morales renunciou há uma semana, denunciando um suposto golpe de Estado, mas os fieis militantes permaneceram com os bloqueios até agora como forma de sufocar a população e de provocar a desestabilização do novo governo de transição da presidente Jeanine Áñez.
A principal área dos bloqueios é a cidade de El Alto, a segunda mais povoada do país, reduto de Evo Morales. Os camiões com alimentos e combustíveis precisam de passar por El Alto para chegarem a La Paz. Outra via alternativa para a chegada de alimentos seria a áerea, mas também o aeroporto principal fica em El Alto.
"O preços já duplicaram. O pãozinho que custava 50 cêntimos, agora custa um boliviano. Eu quero que esta situação se solucione, por favor", pede Susana.
No mercado popular Rodríguez, onde as lojas foram abrigadas a permanecer fechadas durante a semana por ameaças dos seguidores de Evo Morales, o panorama é desolador. A falta de alimentos combina-se com um disparar dos preços, como constatou a Lusa no local.
"Os alimentos básicos aumentaram o dobro e, algumas coisas, o triplo", descreve à Lusa a comerciante Cláudia Mamani, de 24 anos.
"Faltam carnes, peixes e ovos. Há azeites, mas não o suficiente. O abastecimento não chega", lamenta.
Pelas ruas de La Paz, veem-se cada vez menos carros a circular. Os poucos taxistas duplicaram as tarifas. Postos de gasolina permanecem fechados sem combustíveis.
Desde quinta-feira, os apoiantes de Evo Morales bloqueiam a refinaria de Senkata, a 50 Km de La Paz, de onde saiam 100 camiões diários com gasolina e diesel, além de 400 camiões diários de gás.
Nos restaurantes, os pratos com carne estão em falta. Alguns comerciantes substituem por atum enlatado ou salsichas. Muitos decidem não abrir o estabelecimento. A situação é a mesma independentemente da zona da cidade ou do segmento social.
"O frango que custava 11 bolivianos o quilograma, agora custa 65 nos bairros mais afastados. Por mais que tenhas dinheiro, não encontras gás. Por mais que tenhas dinheiro, não encontras pão", denuncia Nela Tamayo, de 56 anos, que percorre supermercados com a filha de 18 anos. "Não há carne nem ovos nem gás nem pão", avisa Nela, depois de andar da zona oeste da cidade onde vive até ao centro.
"Estamos a comprar o que sobrou e isso preocupa-nos", comenta enquanto vê frigoríficos vazios de laticínios.
As autoridades tentam evitar o colapso total que poderia acontecer em dois ou três dias. O ministro da Presidência, Jerjes Justiniano, anunciou que o governo vai trazer alimentos através de aeroportos militares.
O comandante geral da Polícia, Rodolfo Montero, informou que tenta estabelecer o diálogo com os militantes que bloqueiam a refinaria de Senkata.