Uma comunidade de 100 famílias que vive do mar no norte de Moçambique corre o risco de ter de levar os barcos com o resto da mobília para uma nova casa, longe da costa.
O alerta é lançado por organizações da sociedade civil: Milamba é um pormenor por acautelar, num processo de deslocação de 1500 pessoas que até tem sido avaliado de forma positiva.
O reassentamento da população que vive na área de sete mil hectares da península de Afungi, em Palma, província de Cabo Delgado, está em marcha desde novembro.
O local vai receber os ramais de gás natural (GN) extraído em alto mar.
O combustível vai ser conduzido até ali onde dentro de seis anos deverá estar pronta uma fábrica de liquefação para exportar gás para todo o mundo em navios cisterna gigantes, um dos maiores investimentos globais do género, a cargo de um consórcio internacional liderado pela petrolífera norte-americana Anadarko.
No meio do cenário, a situação de Milamba parece “pouco estudada”, refere Fátima Mimbire, membro do Centro de Integridade Pública (CIP) de Moçambique.
A povoação “é tratada como parte da comunidade de Quitupo”, cuja maioria dos residentes depende de terras, “mas Milamba vive eminentemente da costa e vai ser transferida para o continente. Isto é uma violência”, sublinha.
Há pescadores com barcos que se arriscam a deixar de ver o mar e a maioria das mulheres pode perder a sua fonte de rendimento, as ostras e os caranguejos que apanham nas praias e noutros locais junto à costa.
“Durante uma missão ao local, falámos com eles e têm esta preocupação que de forma reiterada nos foi colocada”, tantas vezes quantas as que a comunidade já pediu reuniões ao governo local, mas sem obter resposta, refere Fátima Mimbire.
“Não estão a ter o tratamento adequado”, acrescenta aquela responsável, sublinhando que as ONGs que acompanham o reassentamento já alertaram para a urgência do assunto.
“Milamba não tem uma voz que se faça ouvir” por entre a maioria da população de Quitupo.
A mudança está para breve, “é para já, temos de correr porque é urgente”, destaca.
Fátima Mimbire acredita que Milamba não tem de seguir o rumo de toda a população de Quitupo e que é possível encontrar terras para construir novos lares junto à costa, por exemplo, na zona de Maganja, de tradição costeira.
O procedimento de exceção nem sequer é novidade, realça.
“Em Tete [província do interior oeste de Moçambique, dominada por minas de carvão] houve um reassentamento disperso”, ou seja, quem estava em meio rural continuou no mesmo ambiente, assim como quem estava em meio urbano.
“Pelo mundo conhecemos exemplos de comunidades que foram reassentadas em zonas diferentes do ambiente a que estão acostumadas e isso afetou-as”, acrescenta a dirigente do CIP.
As Nações Unidas preveem também que nestes casos “as comunidades sejam reassentadas em ambiente igual ao qual estão acostumadas”, sublinha.
Caso contrário, Milamba pode ter de enfrentar “um processo de adaptação muito penoso”.
Questionada pela Lusa, a petrolífera Anadarko refere que tem “interagido com os membros das comunidades para garantir que eles estejam envolvidos em cada etapa do processo, incluindo a seleção do local de reassentamento, o desenho das casas e dos espaços comunitários na nova vila”.
No caso particular de Milamba “está prevista a atribuição de locais alternativos” para prática das atividades de sustento, a par da “construção de estradas ligando a vila de reassentamento a esses locais, aos locais de conservação do pescado, mercados, entre outros”.
“Estamos focados na realização dos nossos programas de forma sustentável e com o maior respeito pelos direitos das pessoas abrangidas”, conclui a Anadarko.